Na companhia de um poeta.


Decidi que de hoje não passava. Existem muitas frases na cabeça, mas constantemente me distraio com futilidades. Passa-se o tempo e me dou conta de quanto poderia ter feito. O sabor é sempre de um azedume que custa a passar. Como daqueles remédios que depois de terem cumprido sua missão, ainda por muitas horas seguidas persistem em fazer lembrar por que recorremos a eles. Concordas?!

Depois do último texto, já não devo ter mais leitores. Nem digo que eram muitos, mas uns poucos fieis que me acompanhavam em devaneios ou dialogavam com minha percepção de mundo. De qualquer maneira, é preciso que eu escreva. Algum dia, talvez, alguém lerá. Mesmo que tenha chegado aqui pelos meios mais improváveis. Neste caso, seja(m) bem vindo(s)!

A partir daqui, escreverei sobre algumas impressões de uma leitura que fiz. Não sou crítica literária. Então, se sua visita tinha este objetivo, vou entender sua retirada. Mas, se desejares saber qual o impacto que esta leitura pode causar, convido a continuar aqui e, já me desculpo pela pouca habilidade em manejar palavras. Não sou poeta.

Aspiro por fazer nascer algumas ideias que pululam na minha mente. Talvez seja o desejo de fugir da urgência da realidade que me impele à dedicar-me ao que não me apaixona. Fato é que a vida de um certo homem fez inspirar-me.

3 semanas. É o tempo que tenho desfrutado da companhia de um poeta. Nosso encontro poderia ter sido breve. Mas, suas 412 páginas são deleite para dias de muito cansaço ou desalento. Pude refugiar-me em cabanas nas montanhas mais distantes do Chile e aventurar-me em suas rotas clandestinas de fuga e exílio pelo continente americano, europeu e asiático. Fui, com Pablo Neruda, para lugares da Ásia que jamais pensei visitar – por ignorância e preguiça.

Suas memórias causam-me entusiasmo ao levar-me a percorrer lugares tão longínquos. Recolhem-me da mediocridade cotidiana e na vida dele me esbaldo em um mar de palavras cálidas que despertam amor pela existência. “Confesso que vivi” foi o primeiro livro de Pablo Neruda que consegui ler completamente. É certo que voltarei à sua companhia mais vezes. E, provavelmente, nesta mesma obra.

Sabe aquele tipo de encontro em que a conversa flui leve e não se percebe o avanço da hora?! A sensação que este texto passa é de que cada capítulo é um encontro com o poeta, em que podemos sentar ao redor de uma mesa e conversar. O diálogo se estabelece especialmente por que sua experiência toca em meus conflitos. As utopias da juventude se afloram.

Percebi que não tenho heróis. Minha geração parece destituída dos seus. Estas ausência dá lugar, hoje, à uma acomodação implacável. Às vezes, tenta ser ocupada por elementos de fama instantânea. Mas, na maior parte do tempo quem se aloja é a melancolia. A geração da “democracia” está perdida com tanta liberdade. A dádiva de escolher tornou-se pesarosa e perdeu o brilho da aventura. Sem estímulos que perdurem e acalentem a alma, o consumo de tudo a todo instante tem sido um remédio que alivia a dor da dúvida e da falta de sentido do individualismo e da perda do laço comunitário.

É impossível que o homem viva só. Precisamos de algo que nos una. As cores, línguas, ideias deixam de ser empecilhos quando há tal ligação. Minha geração parece não ter inimigos. Sua existência está conciliada às mazelas do mundo, aos seus algozes, aos seus interesses de consumo respeitados e conquistados. Os vínculos estão fortalecidos pelas redes sociais de entretenimento. A segunda vida, na maior parte das vezes é bem sucedida em nossas cidades, fazendas, vizinhanças virtuais. Vive-se pelo avatar. Estamos próximos de todos, desde que não haja nenhuma pane que deixe a página fora do ar.

Minha geração não se revolta. Pior é a situação da que a sucede. Não se tem pelo que viver. Não se sabe por que se vive. Não se tem sonhos. E compartilhá-lhos se torna uma tarefa fatigante. É preciso estar cheio para ter o que compartilhar. Entendo, agora, que a profissão que escolhi não é simplesmente uma atividade pela que se deva receber remuneração quando exercida. É exercício da alma e do espírito SER professor. Criatividade, paciência, e sobretudo amor. Instigar o outro nunca foi tarefa fácil. Fazer o outro sair dos limites de seu próprio mundo e levá-lo a trilhar caminhos desconhecidos muitas vezes sem lhes prover de um mapa é um processo de perseverança.

E, por se apaixonante, instala-se o dilema. Até onde devo ir? Vestindo e calçando-me do que para me proteger? Quem poderá me acompanhar nesta jornada? Qual será o ônus da escolha? Haverá bônus? O que me aguarda na esquina?

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